segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A tia da pipoca quer ver Avatar




Se eu, você e mais alguns cinéfilos comentamos sobre o último Almodóvar, contamos ansiosos os dias para o lançamento da versão Tim Burton para Alice ou ainda nos agendamos para assistir A Fita Branca, tudo isso pode ser considerado "normal". Vivemos imersos em nosso pequeno mundinho de filmes, falamos de filems o tempo todo, sabemos o que vem por aí (e sempre praguejamos contra as distribuidoras!) gastamos nosso trocados em sessões para três ou quatro espectadores no Arteplex e Novo Batel (vida longa aos cinemas desta sala!!!!).
Porém, há casos em que um filme rompe este nosso círculo minúsculo. Um filme em cinema, com ingresso pago e mais caro que o normal. Aquela grande parcela do público que já não se lembra mais da última vez em que pisou em um cinema quer assistir a este filme. A produção se torna tema de conversa de ponto de ônibus, de salão de beleza e ás vezes rivaliza com a novela.
Quando um filme atrai atenção de gente que não costuma frequentar cinema, seja para ver títulos mais alternativo ou o feijão com arroz habitual, alguma coisa acontece. Estamos diante de um fenômeno cultural, que merece alguma reflexão.
Estou falando de Avatar, a fantasia de James Cameron que em pouco mais de 40 dias bateu os dois bilhões de dólares de bilheteria, superando o recorde de Titanic, também de Cameron, que precisou de sete meses para chegar aos US$ 1,4 bilhoes.
Não se pode tratar de Avatar apenas como um filme. Seria simplista demais ignorar a produção dentro de um contexto que transcende o próprio filme e o futuro do cinema como negócio e entretenimento.
Avatar se encaixa naquilo que Justin Wyatt chama de blockbuster high-concept. Simplificando, é o filmão assumidamente pipoca, de altíssimo orçamento, com violenta e onipresente divulgação, repleto de efeitos especiais possíveis pela mais moderna tecnologia. Tem enredo fácil de ser entendido, ocupa quase todas as salas do circuito exibidor e deixa os executivos do estúdio que o produziu se embriagando de alegria ao consultar os resultados da bilheteria a cada segunda-feira.
Os números não são muito claros, pois as fontes divergem, mas comenta-se que o filme custou cerca de US$ 200 milhões só para ser produzido. A FOX se empolgou e aplicou mais uns 200 e cacetada no lançamento e promoção. Estima-se que os custos totais cheguem a US$ 500 milhões.
É da lógica do high-concept apostar quase todas as fichas em poucos títulos, fazendo com que o filme massacre nos primeiros dias de bilheteria e por saturação (de tanto se falar nele o todo mundo quer ver e o esquema vira uma boal de neve) a dinheirama investida acaba retornando. É a estratégia das majors para cobrir os prejuízos com a miaoria dos filmes que são lançados, em tempos de troca livre de arquivos de vídeo pela Internet.
Visto sobre esta ótica, Avatar terá sim, lugar especial na história de uma indústria que desde seus primeiros momentos, ao final do secúlo XIX, se pautou pela lógica comercial. É triste, mas sempre foi e será assim. O que não impediu esta mesma estrutura de produzir obras de arte de Ford, Huston, Hawks, Hitchcock, Kubrick e Clint Eastwood.
Como o que conta é o dinheiro, Avatar é um filme bem sucedido e pronto. Você dira que os filmes não se julgam assim, tão friamente. Concordo, mas para uma indústria que a cada ano vê seu público minguar nas salas de cinema e perde receita com o download de filmes, um filme evento como Avatar é uma virada de mesa. Pergunte a qualquer exibidor o que ele pensa de Avatar. Em 1997, os circuito exibidor da Rússia ia muito mal das pernas. Foi Titanic quem salvou muitas salas de fecharem. Cameron é amado e idolatrado até hoje por lá.
Quando escrevi acima que Avatar é um fenômeno cultural, refiro-me aquela capacidade cada vez mais rara que alguns produtos da indústria tem ao canalizar a atenção de uma parcela muito mais amplo de seu público-alvo.
A tia a pipoca ouviu falar de um tal de Avatar. A tia da pipoca nao entra num cinema há mais de vinte anos. Deve ter visto no máximo uns 2 filmes em cinemas em sua vida. A tia da pipoca quer ver Avatar.
Entendeu agora?
Se a tia da pipoca quer pagar 20 reais para ver Avatar, já não estamos mais falando de um filme. Estamos no reino da experiência, do fetiche do filme em uma sala escura. Uma experiência que as novas gerações parecem ignorar, dada a facilidade em se relacionar com o audiovisual por outros caminhos e tecnologias.
Consegui assistir o filme na terceira tentativa, em dezembro, uma semana após a estréia. Nas duas primeiras todas as sessões estavam lotadas. Fila para entrare correria para pagar um lugar na sétima ou oitava fileira, para aproveitar os efeitos do 3D.
A última vez em que vi um cinema totalmente lotado, com TODAS as poltronas ocupadas, foi em 1997, com Titanic, nas salas do UCI Estação.
Avatar trouxe de volta aos cinemas gente que nem lembrava mais que existiam cinemas e filmes. Adultos que puderam recuperar um pouco daquelos momentos de infância em que não existiam sequer videocassete. Idosos que não perdiam as sessões de domingo na nossa Cinelândia, no Luz, Avenida, Palácio, Ópera e Arlequim. Crianças e adolescentes que sequer tinham pisado num cinema e que só viram filmes pela tela de seus computadores.
Por mobilizar tanta gente em torno de um filme, Avatar tem, sim, sua importância especial na história do cinema.
Cameron, uma espécie de Midas do entretenimento (gasta muito e também fatura muito) sabe que está cada vez mais difícil ou quase impossível tirar as pessoas do sofá da sala ou do computador no quarto. Por isso esperou quatro anos para desenvolver uma tecnologia que obrigasse o público a ver seu filme em uma sala de cinema.
(Se alguém fez download do filme, esqueça. É como se não tivesse visto)
O universo de Avata em terceira dimensão é um destes espetáculos tão impactantes quanto as primeiras projeções de filmes que os Lumière promoveram para uma platéia incrédula em 1895.
A experiência que o filme proporciona é extasiante. Os animais, plantas, montanhas suspensas, rituais e toda a cultura na´vi do planeta são apresentados como se estivessem ao alcance de um braço do espectador. Raras vezes se viu no cinema um visual tão perturbador em beleza, força e energia.
As obsessões de Cameron tambpem estão presentes no filme: mulheres fortes e decididas, a interação homem-tecnologia. Há uma espécie de celebração das culturas primitivas e de sua relação harmoniosa com a natureza. É um contraponto aos tempos de hoje, com o homem sofrendo na carne os efeitos de sua tentativa de controlar e depredar os recursos naturais. Há uma discurso ambiental que opõe os na´vi aos soldados e exploradores americanos. E o público acaba torcendo contra os soldados americanos, ironia das ironias para uma país que está enroscado em duas guerras sem solução no Afeganistão e Iraque.
Este é o Avatar fenômeno cultural.
O Avatar filme tem problemas graves. Dirão alguns que toda a experiência proporcionada pelo 3D disfarça estes problemas. Talvez tenham razão. O roteiro é frouxo, raso, evidente. Constrói a dualidade bem x mal sem nuances ou ousadias. Força o espectador a acreditar que o avatar do soldado Jake Scully é aceito sem resistência pelos na´vi. Cameron dá a impressão de confiar demais em seus belíssimos delírios que na costura de seu drama. Os soldados mercenários são a encarnação clichê da maldade. Os discursos motivacionais da resistência ao invasor são óbvios. A longa cena da batalha final é cansativa com resultado previsível.
Mas Cameron, que tem uma boa mão para segurar uma estória (méritos sejam reconhecidos) passa por cima de tudo isso e consegue dosar suspense com ação e mensagem ecológica.
Certeza absoluta que levará o Oscar de Filme este ano.

Um comentário:

Ricardo Kenski disse...

O Cinema é desde os irmãos Lumière uma simples demonstração de tecnologia. Nisso, coloquemos o cinema 3D, o Dogma 95 ou a trilogia Matrix dos Wachowski. Cameron sabe muito bem disso e faz filme para ser visto nas salas de cinema. Mais que isso, fornece uma experiência específica do cinema, diferente de tantas dessas histórias filmadas, que não inovam em nada e poderiam ser consideradas novela, programa de tv ou qq coisa do tipo. Ponto para ele.
Parabéns pelo blog, Fabio.