segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Um Olhar do Paraíso abusa do visual para compensar uma direção travada e óbvia
Havia uma grande expectativa para o novo filme de Peter Jackson. Queridinho dos estúdios com o sucesso da ótima trilogia O Senhor dos Anéis, ele teve carta branca para torrar o quanto quisesse em seu filme seguinte. Aproveitou toda a evolução do CGI para criar um King Kong bastante verossímil, no que Marion Cooper, em seu clássico de 1933, teve que se contentar com um monstro em stop-motion um pouco caricato (mas assustador para as platéias da época - aliás, o original é divertidíssimo e o próprio Jackson tratou de cuidar da restauração do filme quando criou sua versão contemporânea).
A concepção de cinema de Jackson é, tomando como base sua curta mas impactante filmografia, a da imagem como um elemento a ser moldado, uma peça de barro em que a filmagem em si não importa tanto quanto o que se fará a partir dela com as possibilidades criativas da moderna tecnologia de efeitos visuais.
Aí (que baita regressão para chegar ao ponto...) que se esperava muito de Jackson desde o projeto de UM OLHAR DO PARAÍSO (The Lovely Bones) foi anunciado. Seria o olhar de um criador contemporâneo, que acredita na tecnologia, sobre um drama mais intimista e menos fantasioso, com um tema pesado, o assassinato de uma criança.
Jackson escolheu a dedo sua incursão neste território teoricamente novo. Adaptou o romance Uma Vida Interrompida, lançado no Brasil em 2003 tendo nas mãos a responsabiliade de equilibrar um deslumbrante mundo pós-morte, com toda a carga de referências religiosas e espirituais consagradas na cultura popular, com uma narrativa mais densa que seus trabalhos anteriores, com ênfase no doloroso processo de reconstrução familiar após uma perda violenta.
A primeira parte da tarefa até que ele da conta, pois está em seu terreno predileto. Do além, Susie observa o andamento da vida de seus familiares após ter sido brutalmente estuprada e morta por um serial-killer de meninas, vizinho de sua casa. Jackon cria imagens belíssimas (algumas delas óbvias e de gosto duvidoso, convenhamos) que traduziriam a visão de Susie sobre aquele lugar que não é mais a terra mas ainda não é o céu.
O filme reproduz toda uma iconografia de árvores com folhas ao vento, campos amarelados banhados de sol e cenários com dimensões desproporcionais ao mundo que Susie acaba de deixar. Nestes momentos, o filme conversa com Amor Além da Vida, outra tentativa de se criar um universo visual para o que seria este estégio pós-morte.
O outro lado desta empreitada, o drama familiar dos que ficam e o próprio desespero da protagonista em observar seus pais e o cotidiano de seu assassino, carece de vibração legítima. Do reconhecimento da perda, passa-se a uma estrutura que mais lembra um filme de serial killer, onde a ênfase recai sobre o suspense em torno da punição para o assassino.
As cenas de contato entre a dimensão de Susie e sua família na terra são tão tênues e vazios quanto o ritmo que Jackon imprime à rotina da menina, antes e depois de seu crime. O tom é contido demais, travado, com um evidente zelo para não chocar ou confundir a platéia.
Outro filme genial em que o protagonista inicia seu drama morto, Crepúsculo dos Deuses, se permite uma liberdade intrínseca à própria condição que a narrativa impõe: um morto pode tudo, pode especular, questionar, criar, recriar, inventar, mentir, comentar.
Nesta brecha que sua estrutura propõe, Jackson constrói uma protagonista linear demais, que quando muito reluta em aceitar sua condição e nutre ódio pelo seu algoz. Falta a Susie, uma menina linda, esperta e criativa, aquela perspectiva vibrante que está embutida em sua caracterização ainda enquanto viva. No mais, o filme se desenvolve em lamentos e imagens hipnotizantes. Um pouquinho de ousadia com o material que tinha em mãos teria rendido um filme mais original.
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