domingo, 28 de fevereiro de 2010

UP - as grandes e pequenas aventuras de se estar vivo, é o melhor filme da Pixar e um dos melhores do ano





Não é de hoje que a Pixar tem a fama de Midas do mundo do entretenimento. Desde 1995, com Toy Story, passando por Vida de Inseto, Monstros S.A, Procurando Nemo, Os Incríveis, Carros, Ratatouille e Wall-E, todas as animações em 3-D da companhia de Steve Jobs são referência para a animação, por um simples motivo: toda a evolução em software esteve sempre a serviço de roteiros criativos e ousados.

Tamanho foi o estrago da Pixar sobre os desenhos em 2-D da Disney que ela se viu na obrigação de se unir à concorrente, sob pena de desaparecer. Muitas brigas depois, as duas empresas se entenderam, com a Pixar na criação e Disney na distribuição.

O mais recente filme da Pixar-Disney, UP, que em português chama-se Altas Aventuras, é simplesmente o melhor filme já produzido pela companhia. E digo mais: está entre os três melhores dos dez indicados ao Oscar deste ano.

O crítico Luiz Carlos Merten, do Estadão, escreveu que Ratatouille era um dos melhores filmes de 2008, lembrando que a estória do ratinho cozinheiro atualizava Proust,quando o rigoroso crítico prova um prato que o leva à sua infância.

Wall-E quase não tem diálogos em sua primeira parte (e quem é louco de lançar um filme sem dialogos hoje em dia?) e faz uma tremenda crítica ao futuro da humanidade, preguiçosa e obesa.

UP é um conto sobre os grandes e pequenos feitos da existência humana. Sobre como estes dois extremos podem ser mais próximos do que a gente imagina. O filme sugere que envelhecer ao lado do grande amor de sua vida é uma aventura tão excitante quanto desbravar uma paraíso desconhecido na América do Sul. O tédio, a rotina, o cotidiano de uma relação de muitos anos, todos aqueles rituais diários, tudo aquilo que leva as pessoas a terminarem suas relações, toda esta pequenez da vida do ser humano, isso é a grande aventura de estar vivo.

Carl Fredericksen é o simpático velhinho vendedor de balões que na infância sonhava em ser explorador de novos mundos. Conhece a tagarela Ellie, com quem se casa, mas ela não pode ter filhos. Ellie morre e a casa de Fredericksen está atrapalhando a construção de um edifício.

O filme trata dos sonhos interrompidos, dos planos não-realizados, das frustrações a qual todo mundo está sujeito. Do dinheiro economizado para aquela viagem tão sonhada, cujo projeto foi interrompido estupidamente pela morte. Da necessidade de seguir adiante, por mais que nada em volta faça sentido.

Quando a casa de Frederickson voa inflada com balões rumo a um lugar desconhecido, é inevitável comparar UP a O Magico de Oz (coincidentemente, em 1939 dez filmes foram indicados ao Oscar). Lá atrás, o vendaval em preto e branco sacudindo a casa de Dorothy encantou as platéias com seus efeitos visuais ainda primários, mas convicentes. Com seus balões coloridos, UP recupera este espírito de abertura para o desconhecido.

Haverá o momento do desprendimento, quando nem a presença física da casa, carregada como um peso ás costas do protagonista, fará sentido algum. Esta é a verdadeira aventura de se estar vivo: ter a coragem de olhar para trás, sorrir com as lembranças, jogar fora o que já não mais serve e seguir adiante, de cabeça erguida, pois a vida, por mais dura que seja, a todo instante se abre para as grandes conquistas e para os pequenos milagres do cotidiano, ainda que escondidos sob a mesmime da rotina.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Um Olhar do Paraíso abusa do visual para compensar uma direção travada e óbvia




Havia uma grande expectativa para o novo filme de Peter Jackson. Queridinho dos estúdios com o sucesso da ótima trilogia O Senhor dos Anéis, ele teve carta branca para torrar o quanto quisesse em seu filme seguinte. Aproveitou toda a evolução do CGI para criar um King Kong bastante verossímil, no que Marion Cooper, em seu clássico de 1933, teve que se contentar com um monstro em stop-motion um pouco caricato (mas assustador para as platéias da época - aliás, o original é divertidíssimo e o próprio Jackson tratou de cuidar da restauração do filme quando criou sua versão contemporânea).

A concepção de cinema de Jackson é, tomando como base sua curta mas impactante filmografia, a da imagem como um elemento a ser moldado, uma peça de barro em que a filmagem em si não importa tanto quanto o que se fará a partir dela com as possibilidades criativas da moderna tecnologia de efeitos visuais.

Aí (que baita regressão para chegar ao ponto...) que se esperava muito de Jackson desde o projeto de UM OLHAR DO PARAÍSO (The Lovely Bones) foi anunciado. Seria o olhar de um criador contemporâneo, que acredita na tecnologia, sobre um drama mais intimista e menos fantasioso, com um tema pesado, o assassinato de uma criança.

Jackson escolheu a dedo sua incursão neste território teoricamente novo. Adaptou o romance Uma Vida Interrompida, lançado no Brasil em 2003 tendo nas mãos a responsabiliade de equilibrar um deslumbrante mundo pós-morte, com toda a carga de referências religiosas e espirituais consagradas na cultura popular, com uma narrativa mais densa que seus trabalhos anteriores, com ênfase no doloroso processo de reconstrução familiar após uma perda violenta.

A primeira parte da tarefa até que ele da conta, pois está em seu terreno predileto. Do além, Susie observa o andamento da vida de seus familiares após ter sido brutalmente estuprada e morta por um serial-killer de meninas, vizinho de sua casa. Jackon cria imagens belíssimas (algumas delas óbvias e de gosto duvidoso, convenhamos) que traduziriam a visão de Susie sobre aquele lugar que não é mais a terra mas ainda não é o céu.

O filme reproduz toda uma iconografia de árvores com folhas ao vento, campos amarelados banhados de sol e cenários com dimensões desproporcionais ao mundo que Susie acaba de deixar. Nestes momentos, o filme conversa com Amor Além da Vida, outra tentativa de se criar um universo visual para o que seria este estégio pós-morte.

O outro lado desta empreitada, o drama familiar dos que ficam e o próprio desespero da protagonista em observar seus pais e o cotidiano de seu assassino, carece de vibração legítima. Do reconhecimento da perda, passa-se a uma estrutura que mais lembra um filme de serial killer, onde a ênfase recai sobre o suspense em torno da punição para o assassino.

As cenas de contato entre a dimensão de Susie e sua família na terra são tão tênues e vazios quanto o ritmo que Jackon imprime à rotina da menina, antes e depois de seu crime. O tom é contido demais, travado, com um evidente zelo para não chocar ou confundir a platéia.

Outro filme genial em que o protagonista inicia seu drama morto, Crepúsculo dos Deuses, se permite uma liberdade intrínseca à própria condição que a narrativa impõe: um morto pode tudo, pode especular, questionar, criar, recriar, inventar, mentir, comentar.

Nesta brecha que sua estrutura propõe, Jackson constrói uma protagonista linear demais, que quando muito reluta em aceitar sua condição e nutre ódio pelo seu algoz. Falta a Susie, uma menina linda, esperta e criativa, aquela perspectiva vibrante que está embutida em sua caracterização ainda enquanto viva. No mais, o filme se desenvolve em lamentos e imagens hipnotizantes. Um pouquinho de ousadia com o material que tinha em mãos teria rendido um filme mais original.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Preciosa se enrosca em esquemas simplificadores e perde o melhor de sua protagonista




Em PRECIOSA, há um momento do filme que a protagonista homônima e sua mãe assistem pela televisão a uma cena de Duas Mulheres, uma requentada tardia no estilo neo-realista (ou neorrealista, segundo a reforma ortográfica) que Vittorio De Sica dirigiu em 1960, quando o cinema italiano (e europeu) já era sinônimo de Fellini e Antonioni.

Preciosa se imagina dentro do filme, falando em italiano e recusando a comida que sua mãe tenta lhe empurrar. Embora Duas Mulheres não se encaixe muito bem na consagrada escola neorrealista (vai ser duro acostumar sem o hífen...) a intenção do diretor Lee Daniels é clara: ele quer beber na fonte do filme-denúncia, quer evitar toda glamourização para sua história e seguir sua personagem e seu drama pessoal e social.

O interessante deste trecho é que ele sintetiza tanto o reducionismo do filme quanto evidencia seu potencial desperdiçado. Enquanto denúncia, PRECIOSA é um desfile de desgraças tão intenso quanto cansativo, jogando com as convenções do melodrama a todo momento (mas sem o encanto de filmes como Ladrões de Bicicleta, por exemplo.

O que poderia conferir ao filme uma linha mais pessoal, no caso a imaginação da sua protagonista como válvula de escape para sua triste condição, perde a força diante do compromisso em mnter uma estrutura maniqueísta, sem espaços para nuances na representação de seus tipos humanos.

Preciosa é uma menina de 16 anos, negra, obesa, feia, mãe de uma filha mongolóide do próprio pai e grávida do segundo filho, também do pai. É odiada e humilhada pela mãe, vive em um apartamento miserável, sujo e escuro. Ah, esqueci, também é semi-alfabetizada.

Esta lista de flagelos por si evidencia um material extremamente delicado para qualquer criação. Não precisa se esforçar muito para que essa situação toda caia no comum, no trivial, com as oposições bem demarcadas entre o bem e o mal e os clichês de superação, tão caros ao cinema americano, bem posicionados.

Mas apesar de tudo conspirar contra seu destino, Preciosa encontra em sua grande capacidade imaginativa um refúgio seguro. Ela viaja dentro de sua mente onde é branca, magra, cantora de sucesso, em delírios que brincam com o universo pop, o pequeno universo cultural da protagonista.

São estes os momentos mais intensos e honestos do filme. É neles que está a força desta estória. E também naquela assombrosa capacidade humana de se reagir com alguma dignidade perante os infortúnios da vida, de erguer a cabeça, como diz Preciosa, mesmo que seja para ver um piano caindo.

Além desta força, que é a tônica de um modelo de cinema baseado na redenção e na segunda chance, como já bem observou o crítico Luiz Carlos Merten, Preciosa tem instantes em que consegue contrapor, com algum equilíbrio, a aparência exterior distante dos padrões considerados como belos na sociedade a uma sensibilidade interior profunda, terna e inquebrável.

Mas a estes caminhos, que dariam ao filme uma certa originalidade, Daniels prefere fazer sua protagonista comer o pão que o diabo amassou, criando representações que são a síntese do bem e do mal: a mãe repugnante, que maltrata a filha e sente ciúmes dela, a professora lésbica que alfabetiza Preciosa, a assistente social (uma Mariah Carrey irreconhecível) que se revolta com esta exploração, o enfermeiro (Lenny Kravitz) carinhoso que provê o afeto que falta em casa.

Tudo acaba sendo construído tão em cima de extremos, que a própria Preciosa se perde neste caldeirão de maldades x bondades, optando pelo caminho mais óbvio, sem que suas escolhas mereçam algum aprofundamento ou que o bem e o mal sejam minimamente relativizados.

É um filme com momentos encantadores, sobretudo quando se permite entrar na psicologia de sua protagonista e revelar que por baixo de tanto lixo respira uma flor rara. Mas infelizmente o resultado é um drama sob medida em tempos de Obama presidente, onde a indústria sente a necessidade de discutir mais seriamente questões raciais e sociais.





pretensiosa do diretor como revela um potencial

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Blog no facebook e twitter

Devo ser a última pessoa no continente a aderir ao Facebook...confesso que foi pura preguiça de manter em dia mais uma rede, além do orkut.
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Guerra ao Terror revela a adrenalina de enfrentar a morte




Há tempos não se via um filme de guerra tão intenso e envolvente quanto este THE HURT LOCKER, que por aqui foi lançado como GUERRA AO TERROR. É um título infeliz, de pouca inspiração, como a maioria das traduções. Neste caso, a esperteza da distribuidora com o nome pode ter sido creditada à pressa em lançar nos cinemas um filme que ela mesma havia negligenciado e distribuído direto em DVD. Bastou o filme receber nove indicações ao Oscar e corraram atrás de um nome de apleo comercial. Por aí dá para se ter uma idéia da falta de visão dessa gente.

O título original refere-se a uma expressão que significa algo como causar sofrimento físico e mental, mais coerente com os efeitos que o filme da diretora Kathryn Bigelow causa sobre o público. Com precisão cirúrgica, ela conduz o filme como uma experiência terrivelmente angustiante, na qual seus personagens brincam de perto com a morte, criando momentos tão tensos que a gente perde até a vontade de respirar.

O filme acompanha o cotidiano de um esquadrão antibombas na Bagdá ocupada pelas forças norte-americanas.

Os grandes filmes de guerra não tratam do conflito bélico em si. Apocalipse Now, de Coppola, é o retrato da insanidade humana em meio a uma guerra. Kubrick sabia disso. Seu Glória Feita de Sangue é um tratado sobre a vaidade, os jogos de poder e as injustiças ampliadas com lente de aumento no conflito. Outra obra fundamental do cinestas, Nascido para Matar é sobre a brutalização humana, necessária à vitória no campo de batalha. Kubrick leu nas camadas internas de Samuel Fuller, que com seu Agonia e Glória mostrou a pequenez humana diante das adversidades. Em Além da Linha Vermelha, Terrence Malick usa a guerra para discutir a complexa relação entre o homem e natureza.

THE HURT LOCKER filia-se a toda esta linhagem nobre, o que já o eleva ao posto de ums dos grandes filems do gênero em todos os tempos. Ele trata da necessidade masculina de flertar com o perigo. Este suprimento vital de adrenalina é o que busca o capitão William James em suas missões suicidas. Casado, pai de uma menina recém-bascida, ele precisa se expor à morte a todo momento para se sentir vivo. O que outros soldados temem, ele faz questão de enfrentar, levando a cineasta a perguntar se o conflito, a batalha, a disputa não são necessdiades masculinas artificialmente sufocadas por tudo aquilo que chamamos de civilização.

Para registrar estas missões suicidas e a delicada operação de desarme das bombas, a cinesta opta por uma linguagem de documentário, com muita câmera na mão e uma edição televisa, rápida e dinâmica.

Há uma cena que sintetiza bem o espírito do filme: o capitão James diante de uma prateleira com dezenas de opções de sucrilhos em um supermercado. Sua expressão é frégil, distante. Ele está totalmente perdido diante de tantas marcas, ele não se encaixa na sociedade de consumo, ele não se acomoda no papel de pai e provedor.

A guerra, apreende-se da cena, alimenta uma energia masculina tão essencial à sobrevivência quanto à agua, é só por isso que elas continuam e continuarão existindo. Só uma mulher conseguiria espiar com tamanha sensibilidade a alma masculina.

THE HURT LOCKER teve o mesmo número de indicações ao Oscar de Avatar. Curiosamente, a diretora Bigelow foi casada com James Cameron.

A Fita Branca , a violência e a maldade do ser humano na visão de Haneke





O austríaco Michael Haneke vem construindo sua filmografia em cima da compreensão da violência no mundo contemporâneo. Mas seus filmes, densos e autorais, não trazem respostas prontas e fechadas. Ao contrário, se alimentam de perguntas que representam tentativas, buscas, aproximações sempre honestas daquilo que, no fundo, é doloroso de entender e de admitir, o que torna seus filmes tão perturbadores.

Em A Professora de Piano, a violência é exposta ao nível das relações humanas e dos sentimentos reprimidos, entre a mãe, a professora e entre esta e seu jovem aluno.
Funny Games, que no Brasil foi estupidamente batizado de Violência Gratuita - uma violência contra a inteligência do espectador! - mostra dois jovens bonitos e bem de vida que sentem prazer em torturar um casal em férias no cenário paradisíaco dos alpes austríacos. A versão americana, com Tim Roth, Michael Pitt e Naomi Watts, dirigida pelo próprio Haneke, tenta imitar o original plano a plano (mais ou menos como Gus Van Sant fez com a refilmagem de Psicose). Não acrescenta muito, a não ser atualizar o original com rostos mais conhecidos do público. Caché continua nesta linha, acrescentando um componente de ressentimento e preconceito racial ao drama do bem sucedido apresentador de TV que tem sua vida virada de cabeça para baixo quando recebe vídeos mostrando sua casa. Haneke aproveita aí para brincar com o conceito de realidade, ao estabelecer uma relação dúbia com a imagem, alternando o registro entre película e vídeo.

Fiz essa baita progressão para chegar ao seu mais recente filme, A FITA BRANCA. As raízes da violência humana, mais ainda, da maldade humana, são os temas do filme. Em um tranquilo vilarejo no interior da Alemanha um pouco antes da Primeira Guerra, a paz do povoado é perturbada por uma série de incidentes: um atentado contra o médico, a morte da esposa de um camponês, o espancamento do filho do Barão e a tortura de um menino deficiente mental.

Os habitantes do vilarejo vivem uma rotina severa, pautada pelo trabalho duro nas colheitas e por austeros princípios religiosos. Filhos são disciplinados pelo chicote. As relações familiares são puramente formais, sem afetos legítimos. Há uma ética pública, aquela da missa dos domingos e dos sermões, e uma privada. Os códigos das duas, sempre conflitantes, são os eixos sobre os quais o filme se equilibra.

Haneke aborda em A FITA BRANCA a violência como resultado de uma educação rigorosa, que sufoca qualquer instinto humano mais primitivo. O que o filme procura explorar, sem nunca cair no sociologismo de ocasião, é que os seres humanos, em qualquer época, respondem às pressões do meio em que vivem com brutalidade, não importa quanto tenham sido condicionados a se portar com sobriedade. Pode-se reprimir o monstro da maldade, diz Haneke, mas em um determinado momento ele voltará com toda sua fúria.

Esta idéia fica bem clara no tratamento que o diretor dá as crianças. A família do pastor da aldeia cultiva o hábito de amarrar fitas brancas nos braços dos filhos, como forma de lembrá-los de sua pureza (dái o título do filme). A questão é que esta pureza parte de uma limitada visão de mundo, que condena a sexualidade e sufoca todo e qualquer instinto prmitivo e vital. Na base, o filme trata da violência como remédio civilizador, mas cujos efeitos colaterais são mais violência, numa espiral sem fim.


Haneke é um cineasta dado à sutileza. Recusa qualquer mecanismo de espetacularização, tanto na tessitura de seus roteiros quanto na composição visual. Os 145 minutos de A FITA BRANCA privilegiam a palavra, meio esquecida nestes tempos de pirotecnias e terceira dimensão. A fala é um recurso que já não dá conta das tensões internas dos personagens e quando exercida, não consegue estabelecer uma comunicação plena. Um exemplo é o trecho em que a baronesa diz ao barão que deseja se separar dele. Outro é o momento em que o inocente filho do pastor, com uma voz terna e suave, pede ao pai para ficar um passarinho doente.

Por baixo das convenções sociais públicas, A FITA BRANCA revela um universo de tensões alimentadas por ressentimentos de toda espécie: sociais, afetivos, políticos. A mise-en-scene de Haneke acompanha este mundo com composições igualmente austeras:a fotografia em preto e branco (belíssima, aliás) e os enquadramentos valorizam os claros e escuros, os efeitos de contraluz, as zonas do plano em que pouco se percebe visualmente mas muito se intui. Sua câmera passeia pelos cenários seguindo os personagens, revelando lentamente o que eles enxergam, ou melhor, o que eles pensam enxergar.

Haneke, mais uma vez, não apresenta respostas para os crimes da aldeia. Prefere ampliar as perguntas. As crianças do vilarejo, entre 7 e 15 anos às vésperas da Guerra, serão os adultos na década de 30, quando o nazismo já tiver florescido na Alemanha. Esta associação, por si, explica muita coisa, não só do contexto social e familiar em que as futuras gerações alemãs foram gestadas, mas fala ainda ao mundo contemporâneo. Nazismo, fascismo, qualquer forma de totalitarismo e o próprio terrorismo fundamentalista são difíceis de combater pois, sugere Haneke, suas motivações estão encravadas no mais profundo da psiqué humana.

Eis porque A FITA BRANCA conquistou a Palma de Ouro em Cannes e é favorito ao Oscar de Filme Estrangeiro, além de ser aplaudida com entusiasmo por onde passa. um filme obrigatório.

Em cartaz no Unibando Arteplex. Corram, antes que seja retirado de cartaz nesta quinta!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Onde vivem os monstros é uma fantasia original e poética sobre a infância





ONDE VIVEM OS MONSTROS é um belíssimo conto sobre o poder da imaginação. Ao contrário do que pode sugerir, não é necessariamente um filme para crianças, mas sim um filme sobre o universo infantil e como esta fase da vida pode ser terrivelmente marcada pela solidão e pela incompreensão.

O título original, Onde estão as coisas selvagens, é mais claro que a tradução nacional. Max, o menino peralta, como todos os meninos saudáveis, não consegue se comunicar com a mãe preocupada com o trabalho e com o namorado novo nem com a irmã e seu amigos adolescentes e grosseiros. Sente-se sozinho e sua solidão alimenta uma espécie de pacto pessoal com o seu lado mais "selvagem", o que expressa na ausência de limites em casa como forma de obter um pouco de atenção da família.

Mandado para o quarto sem jantar (quem de nós já nao passou por isso?) Max empreende uma jornada (visualmente bela, aliás) de barco a um mundo distante, habitado por criaturas estranhas, grandes e peludas.

Lá se torna o rei da bagunça, das brincadeiras, da folia, imperando numa espécie de paraíso dos sonhos de qualquer criança.

É ali que Max terá seu grande aprendizado, a percepção de que as relações humanas só são possíveis dentro de certos limites de respeito ao outro. Aprenderá isso de forma dura, ao ofender e estimular brincadeiras perigosas e dolorosas entre seus novos amigos.

Os monstros do reino de Max (atores usando fantasias de pelos, penas e outros adereços sujos, nada de efeitos visuais) são figuras arquetípicas que todos encontramos em nossa infância: o líder valentão inseguro, o frágil quietão, a tristonha, o grandalhão de quem todos tem medo mas é afetuoso.

E que momentos de grande força o diretor Spike Jonze cria neste mundinho! Briguinhas, bate-bocas, uma soneca com a turma toda abraçada em uma pilha, a construção de um forte, guerra de barro.

Não há adultos chatos para mandar, não há escola nem obrigações. Tudo é permitido, nada é proibido entre árvores frondosas, paisagens desertas e cavernas feitas à mão.

O mundinho onde Max é rei é a materialização de nossos sonhos de infância. É a representação em imagens de nossas fantasias mais profundas e também de nossos medos e duros aprendizados rumo à vida adulta.

É um mundinho que de tempos em tempos só o cinema, cada dia mais careta e saturado de explosões e ação vazia, é capaz de criar.

Distrito 9 empolga, diverte e critica




Distrito 9 é um destes raros casos em que um diretor estreante consegue dois feitos em seu primeiro filme. O primeiro é o domínio seguro dos códigos de um gênero, no caso a ficção científica, e desse domínio vem uma grande capacidade inventiva de reciclar e brincar com os clichês, construindo um filme de grande apelo popular.

O outro diferencial do sul africano radicado no Canadá Neill Blomkamp é um roteiro muito bem estruturado, que subordina a tecnologia CGI a uma narrativa vibrante, crítica dos abismos sociais de nosso tempo e encenada com uma ousada riqueza visual.
Sem entrar muito em detalhes, penetramos no universo ficcional do filme momentos antes da execução de um plano para a retirada de milhões de alieníginas confinados no Distito 9.

Os extraterrestres acabaram ficando ali por uma pane ocorrida na nave em que viajavam, parada agora sobre Johannesburgo, capital da África do Sul. É inevitável a associação com o regime separatista que imperou naquele país até poucos anos atrás. Os aliens, feios de dar dó, chamados pejorativamente de camarões, vivem em barracos imundos, se alimentam de lixo e são explorados por quadrilhas de nigerianos, que trocam comida de gato por armas.

É um enredo bem estranho, colocado assim no papel, que tinha tudo para descambar ou para o filme tese sobre o separatismo, ou para mais um festival de efeitos visuais sob medida para mascarar uma estória batida.

Que nada. O jovem cineasta, com apoio de Peter Jackson, que agora trabalha na trilogia de O Hobitt (um dos filmes será do ótimo Guilhermo Del Toro)criou um fake documentary sobre toda a polêmica em torno dos aliens e no meio dela inseriu a estória.

O resultado é um filme que transita livremente pelas linguagens do telejornalimso, com imagens reais extraídas de noticiários da CNN, do documentário com câmera na mão e do cinemão de ação e sci-fi. Referências a Guerra dos Mundos (a versão dos anos 50, de Wise) e Alien são explícitas.

Depoimentos em primeira pessoa, dos moradores próximos aos Distrito 9, dão um ar de autenticidade ao filme, complementado pelas imagens cruas do burocrata Wikus Van De Merwe. É dele a responsabilidade de conduzir o despejo dos aliens, o que levará a consequencias trágicas a partir do momento que Wikus, um sujeito chato e sem graça, se torna um deles.

O cruzamento destes registros dá uma energia intensa ao filme, que em seu subtexto trata sim, das divisões étnicas e sociais de nossa era. Os aliens são uma representação do outro, daquele que incomoda, do indesejável, daquele grupo sobre o qual se quer distância. Sugerem os imigrantes em qualquer grande centro urbano da Europa ou os grupos sociais que habitam os entornos das cidades nas chamadas periferias.

Há críicos americanos que foram mais longe e leram o filme como uma metáfora atualizada da relação entre os judeus nos campos de concentração e os nazistas, dada a brutalidade com que os encarregados da segurança no distrito tratam os aliens.

O comentário social é presente no filme, mas nunca direto ou panfletário. Ao contrário, é um filme de ação, muito divertido, com momentos cômicos, para não dizer absurdos.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Filmefobia

A única imagem verdadeira é a de um fóbico diante de sua fobia.
Filmefobia, experimento radical e muito instigante, de Kiko Goifman.
Volterei ao assunto depois porque agora não dá mais tempo.

Invictus é uma derrapada na obra do brilhante Clint Eastwood




São belíssimos e inspiradores os versos finais do poema "Invictus", escrito e 1875 pelo inglês Wiiliam Henley:

"Não importa o quão estreito seja o portão e
quão repleta de castigos seja a sentença,
eu sou o mestre do meu destino,
eu sou o capitão da minha alma".

Infelizmente, INVICTUS, o filme de Clint Eastwood, parece não ter sido contagiado em sua plenitude pela força dos versos de Henley. Sou a pessoa mais suspeita do mundo para falar de Eastwood, para mim o grande cineasta americano em atividade, ao estilo dos grande narradores que moldaram a tradição do cinema clássico americano, como John Ford, só para ficar no exemplo mais conhecido.

De cowboy dos operísticos western spaghetti de Sergio Leone ao detetitve durão Harry Calahan, Eastwood passou a digirir e construiu uma sólida obra, que nos últimos trabalhos atingia altos níveis de refinamento e expressão pessoal.

Criou filmes maravilhosos, onde explorou com delicadeza e rara sensibilidade, dentro de estruturas comunicativas simples, porém extremamente difícies de serem atingidas, o tema dos arranjos familiares moldados por circuntâncias do destino.
Sao os pais e filhos que não se acertam com seus herdeiros ou responsáveis biológicos, mas que a vida trata de dar uma segunda chance.

Esta estrutura está em Um Perfeito, Menina de Ouro, A Troca e Gran Torino, uma quadrilogia eastwoodiana sobre o poder do ser humano de se abrir para o afeto nas mais incríveis situações no mundo contemporâneo.

Aí que se se criou uma grande expectativa em torno de Invictus. O presidente Nelson Mandella acaba de assumir o poder de um país dividido por décadas de ódio racial e vê na fraquíssima seleção de rugbi da África do Sul a oportunidade de catalisar para o esporte um esboço de projeto de nação multiracial.

Morgen Freem como Mandela está exuberante, os bastidores do poder recém conquistado são interessante, Matt Damon como o capitão da equipe de rugbi é sóbrio e discreto no tom certo, a reconstituição de época é perfeita.

Até aí tudo bem, não fosse um filme de Clint Eastwood.

A partir de um certo momento, tudo se torna previsível. As longas partidas são filmadas com grande dinamismo visual, colocando o mpúblico dentro do gramado..mas é só isso. Que apelo tem o rugbi para as platéias fora dos países onde o esporte é praticado? Aliás, desculpem a ignorância, não consegui entender porque aquele monte de homens gosta tanto de se esfregar naqueles motinhos humanos.

Em Menina de Ouro, o esporte era uma via para se chegar ao âmago da boxeadora criada por Hillary Swank. Em certo ponto daquele filme, não assistíamos mais as lutas no ringue, mas acessávamos sua alma, suas angústias e esperanças desesperadas. Em Invictus, pouco se tira do rugbi, a não ser um conjunto de clichês sobre motivação que em breve serão usados como exemplos em palestras motivacionais.

O Mandela de Freeman é quase um santo de tão bondoso, gentil e sorridente. Sentimos que o diretor o mostra levemente encantado com o poder, mas seu grande projeto, o de fazer a conquista da Copa do Mundo de Rugbi o marco zero da nova nação, sofre alguma resistência aqui, outra ali. A conflituosa relaçao do líder com sua família é sugerida muito superficialmente.

Ao abraçar a esfera pública de uma figura histórica, Clint Eastwood se afastou dos temas que mais marcaram a sua obra, construidno assim um filme banal, que não se relaciona com seus filmes anteriores, a não ser que se queira enxergar na obstinação de Mandela um ponto em comum com personagens de outras fitas do diretor.

Por mim, tudo bem. Até os grandes não são grandes o tempo todo. Já estou ansioso pelo próximo filme do velhinho, que passou dos 80 e não mostra (felizmente) nenhum sinal de cansaço.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Nine é fraco como filme e sofrível como musical





Oito e Meio (1963) é um dos maiores filmes de todos os tempos, se não o maior. É exemplar maduro do moderno cinema que se começou a fazer nos anos 50, na Europa, com toda a geração de Fellini e Antonioni. Uma geraçao que abriu caminho para a piazada dos Cahiers da Nouvelle Vague, que por sua vez arejou as mentes de gente como Altmann, Coppola, Penn e Scorsese nos 70.
Em Oito e Meio, a angústia feliniana perante a vida e o ser humano ganha um tom de sonho: as mulheres do harem de Guido Anselmi, a relação com a igreja, os conflitos sexuais, a pressão sobre o criador, as mulheres, tudo é visto sobre um olhar masculino que em alguns momentos é infantil como uma criança no circo, em outros é perdido como alguém que precisa da mãe diante das dificuldades da vida.
É uma obra para ser vista muitas vezes. Não lembro bem, mas acho que foi o escritor Ignácio de Loyola Brandão quem afirmou ter visto Oito e Meio mais de 80 vezes.
Oito Meio está em All That Jazz, obra-prima de Bob Fosse sobre a crise de criatividade e sobre a masculinada perdida nestes tempos modernos.

NINE dá a impressão que o diretor BOb Fosse não assistiu nem ao Oito e Meio nem ao musical de Fosse.
O filme é uma pastelada dessas difíceis de engolir e de fazer ao ponto de fazer a gente se perguntar: O que faz um sujeito reunir o dream team da estética cinematográfica feminina mundial (Nicolle Kidmann, Penélope Cruz, Marion Cotillard) secundadas por Sophia Loren, Jude Dench, Katie Hudson, Fergie e por toda essa mulherada para cantar umas melodias banais com letras sofríveis e dançar umas coreografias de festas de escola?

Não sei.
NINE é a adaptação para as telas de um musical que por sua vez é inspirado em Oito Meio. Como filme, é triste ver Daniel Day Lewis sendo perseguido por todas estas mulheres, escondido em seus óculos escuros, acuado em sua crise de criatividade e em crise no casamento. Inevitável, porem injusto, lembrar do Guido Anselmi do eterno Mastroiani. O que o ator italiano tinha, pelas mãos de Fellini, de dúvida e descrença, Lewis tem de chatice e pamonhice.
O filme se sustenta como uma colagem de momentos desconexos entre si, com o Guido de Lewis fugindo de suas responsabilidades e tentando equacionar os apelos da esposa e amante. Como filme, não consegue segurar ou desenvolver sequer uma linha dramática. Como musical, dói. Os números, sugeridos no filme como sendo do plano da imaginação ou das lembranças, invadem o drama. São coreografias banais, apresentadas no mesmo cenário do filme que Guido deve começar a filmar.
Tudo que existia de denso em Oito e Meio foi digerido e transformado aqui em algo mais, digamos, palatável para as massas. Perdeu-se a dimensão misteriosa e complexa dos relacionamentos de Guido com as mulheres. Em NINE, estas relações se tornam draminhas rasos de amor e ciumes conjugais. Perdeu-se aquele tom de alegria triste, ou de tristeza alegre, caracterítico da obra de Fellini, em prol de uma celebração vazia da midiatização sobre a figura do artista.
Foi, confesso, uma das grandes frustrações dos últimos tempos.

Amor sem escalas revela a desumanização do homem em sua relação com o trabalho





Amor sem Escalas (Up in the air) observa o universo masculino sob dois prismas. O primeiro revela no que se tornam os homens obcecados pelo seu trabalho, que levam a vida viajando. O segundo é consequencia deste: uma existência sem espaço para a construção de relacionamentos afetivos de qualquer espécie ou mesmo de enraizamento no conforto de um lar.
O que chama a atenção no filme é que o protagonista, o consultor Rayn Bingham de Geroge Clooney tem justamente a dura tarefa de demitir pessoas que tem família e filhos. Ele, solteiro convicto que passa 22 dias por ano em terra firme, em um apartamento impessoal e quase sem móveis, precisa destruir tudo aquilo que não tem. É irônico, mas ao mesmo tempo permite ao personagem fazer seu trabalho sem culpa, pois ele nunca esteve do outro lado para saber o que é um marido comunicar sua demissao à esposa.
Uma novata da empresa onde Ryan trabalha, uma psicóloga recém-formada, sugere que as demissões sejam feitas por videoconferência, para cortar custos. A possibilidade deixa Ryan em pânico, pois sua vida é estar dentro de aviões, hotéis e ministrar palestras motivacionais repletas de clichês.
Um roteiro muito bem elaborado faz com que ele tenha que lidar com uma grande mudança em sua vida, ao mesmo tempo em que experimenta um romance com uma mulher que conheceu em uma das viagens.
O filme resume bem o espírito que se abateu sobre o mercado de trabalho durante a crise de 2009 nos Estados Unidos, quando grandes companhias demitiram milhares de empregados.
Há momentos espetaculares no filme, como quando Ray revela que seu fetiche no programa de milhagem é conquistar dez milhões de milhões e ser um dos seletos proprietários de um cartão exclusivo da companhia aérea. Não é para voar de graça, mas apenas para ter o cartão. O filme o mostra como alguém que supre a carência afetiva se escondando atrás de relacionamentos casuais ou investindo energia ma escolha de promoções e cartões de fidelidade.
É um trabalho equlibrado do diretor Jason Reitman, que evita um desfecho fácil e óbvio para o personagem, ao mesmo tempo em que mostra com lupa de aumento, mas sem defender tese alguma, como o homem contemporâneo se torna desumanizado ao se identificar integralmente com seu trabalho.
Adorei o filme, mas pessoalmenteainda prefiro Obrigado Por Fumar e Juno, do mesmo diretor.

Sherlock Holmes de Guy Ritchie une pancadaria e dedução




Nas mãos de Guy Ritchie, Sherlock Holmes transformou-se em um personagem de filme de ...Guy Ritchie.
O diretor inglês apropriou-se do famoso e sisudo detetive ao seu estilo bem pessoal, consagrado em filmes como Snatch, Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Rock´n´Rolla: a Londres dos becos e do submundo com seus tipos e atividades ilícitas, à margem do mundo oficial; muita ação e pancadaria, sequencias em câmera lenta e imagem congelada.
É um Sherlock com habilidades marciais e gosto pela briga, enroscado em uma ladra do submundo e quase sempre salvo pelas intervenções do médico e assistente Watson. Um pouco distante daquela imagem consagrada pelos romances de Conan Doyle, o que poderá chocar os leitores mais radicais.
Esta operação revela um upgrade no velho Holmes, que de outro modo, mais fiel às suas origens literárias, com seu assombroso poder de dedução, soaria um pouco ancrônico às platéias juvenis, alvo do grosso da produção contemporânea.
É um filme muito divertido, sobretudo na exploração da intimidade entre Holmes e Watson e no desespero que o famoso detetive revela perante a possibilidade de perder seu companheiro para a noiva do médico. É uma amizade com seus altos e baixos, como todas as grandes amizades, nutrida por uma dependecnia nao assumida da parte de Holmes e por uma admiração por parte de Watson (que não está totalmente seguro de sua opção pela monotonia de uma casamento ocupando o lugar das agitadas investigações com Holmes).

O Lula do fime reforça o mito público e ignora o privado



Reparem na imagem acima. Dona Lindu e sete de seus oito filhos deixam Caetés, no agreste pernambucano, rumo a Santos. Là no cantinho, a ótima Gloria Pires, que faz a mãe de Lula, segura o mais novo no colo. Reparem que o caminhão tem uma bandeira do Brasil no lugar da placa. É o destino na nação que está no veículo, sugerem seus realizadores.
Este é um pequeno detalhe que ilustra o desenvolvimento do filme Lula, o Filho do Brasil. Roteiro, cenários, direção de arte, diálogos e a direção optam por alimentar o mito Lula ao invés de explorar o homem. Eis aí, em minha visão, o principal entrave para a produção dos Barreto.
Conheço gente que não assistiria ao filme nem de graça, com argumentos que vão de um ódio profundo ao presidente passando por acusações de corrupção nos dois governos do PT. Assim fosse, ninguém teria assistido A Queda, sobre os bastidores dos últimos momentos de Hitler em seu bunker. Ter uma posição crític em relação as idéias e atitudes do presidente (muitas vezes questionáveis) e sua administração são um direito dentro de uma sociedade democrática. Evitar uma cinebiografia de uma pessoa que tem sim, sua importância para a história recente do país, é um preconceito que não ajuda muito. Tempos atrás vi um filme horroroso sobre John McCain, candidato derrotado por Obama nas eleições americanas. É fiel à sua biografia de soldado abatido em combate e prisioneiro dos vietnamitas por cinco anos. É parcial pra burro,mostrando um MacCain herói, resistente e patriota, mas é só um filme. Personagens da história sempre foram uma fonte generosa para o cinema.
O Filme Lula é só um filme, e pronto.
São muito ingênuos os que associam o filme à campanha eleitoral de 2010, imaginando que ele se encaixe como uma peça para alavancar a candidatura Dilma. Só quem não conhece o circuto exibidor afirma isso. O ingresso médio aos finais de semana custa em Curitiba cercad de 12 a 15 reais. É para a classe média pra cima. Há muitos anos que a população das classes C para baixo não chega nem perto de um cinema. Se o eleitorado de Lula fosse ser influenciado pelo filme, seria preciso criar uma operação para exibir o filme gratuitamente, nas cantos mais pobres e distantes do Brasil.
até onde acompanhei, o filme fez 650 mil espectadores. A sessão a que assisti tinha oito pessoas. Fica difícil chegar aos dez milhoes que a produção esperava. A classe média, que paga ingresso em cinema de shopping, parece não ter se entusiasmado com o filme.
Logo em seu início, o filme traz a logomarcade vários patrocinadores e informa que nenhum tostão de dinheiro público foi aplicado na produção. Diz a Veja que todos os patrocinadores têm contratos generosos com o Governo Federal.
Não vou ficar dos lado dos que apedrejam. "Nâo vi e nao gostei". Há momentos muito bem construídos no filme. A primeira vez em que Lula entra em um cinema para ver um filme de Mazzaropi, usando uma gravata cedida por um amigo. A cena em que a mãe se emociona ao ver o filho recebendo o diploma de torneiro mecânico. A família reunida no pequeno casebre vendo Jornal Nacional. Lula e um amigo traçando planos para se aproximar de duas moças em um baile. É, inegavelmente, uma produção caprichada, com momentos de um roteiro bem articulado e uma direção segura, atenta ao desenrolar dos pequenos detalhes privados de Lula.
Mas pena que estes pequenos momentos sejam tão poucos. Para alguém com o mínimo interesse na figura de Lula, não é novidade saber da viagem em pau de arara para Santos, a morte da primeira esposa no parto do filho, a dedicação da mãe à sua prole. A dura biografia do presidente em si já é um grande drama, com sua exemplar trajetória de superação. Ela está toda ali no filme, mas a serviço da construção de uma imagem impecável de um ser humano. O Lula de Fabio Barreto (que ainda está inconsciente, mas fora da UTI) só existe dentro do filme. É bondoso demais, seguro demais, correto demais. Não se trata com mais profundidade da transformação do Lula metalúrgico em líder sindical. Do nada, ele fala com segurança para os trabalhadores, sem esboçar o mínimo de indecisão. O alcool aparece no filme apenas nos momentos em que é socialmente aceito, como festas ou comemorações. Lula no máximo fuma muito. Não se vê ele reagindo com raiva ou palavrões à morte de sua esposa e filho (sugere-se que teria sido descaso do médico em hospital público).
Outro ponto é o ator Rui Ricardo. Há momentos em que ele tenta imitar a voz rouca de Lula e o resultado fica um tanto quanto caricato. Melhor seria compor seu tipo baseado na figura do presidente. Glória Pires consegue desaparecer no papel de Dona Lindu, dando consistência ao filme.
Nâo deve ter sido fácil a tarefa dos roteiristas e do diretor Barreto. Todas as cinebiografias sempre são problematicas ao assumiram escolhas mais conservadoras de trechos das vidas de seus personagens. Neste sentido, pintam seus retratados como modelos, elegendo cenas exemplares, ignorando a complexidade humana que envolve insegurança, medo, paralisia, tristeza e a própria superação de tudo isso.
O filme repito, tem seus momentos emocionantes, mas fornece uma imagem unidimensional de um homem cuja trajetória privada teria mais pontos de interesse dramático que as escolhas didáticas direcionadas para a construção de um passado público.

A tia da pipoca quer ver Avatar




Se eu, você e mais alguns cinéfilos comentamos sobre o último Almodóvar, contamos ansiosos os dias para o lançamento da versão Tim Burton para Alice ou ainda nos agendamos para assistir A Fita Branca, tudo isso pode ser considerado "normal". Vivemos imersos em nosso pequeno mundinho de filmes, falamos de filems o tempo todo, sabemos o que vem por aí (e sempre praguejamos contra as distribuidoras!) gastamos nosso trocados em sessões para três ou quatro espectadores no Arteplex e Novo Batel (vida longa aos cinemas desta sala!!!!).
Porém, há casos em que um filme rompe este nosso círculo minúsculo. Um filme em cinema, com ingresso pago e mais caro que o normal. Aquela grande parcela do público que já não se lembra mais da última vez em que pisou em um cinema quer assistir a este filme. A produção se torna tema de conversa de ponto de ônibus, de salão de beleza e ás vezes rivaliza com a novela.
Quando um filme atrai atenção de gente que não costuma frequentar cinema, seja para ver títulos mais alternativo ou o feijão com arroz habitual, alguma coisa acontece. Estamos diante de um fenômeno cultural, que merece alguma reflexão.
Estou falando de Avatar, a fantasia de James Cameron que em pouco mais de 40 dias bateu os dois bilhões de dólares de bilheteria, superando o recorde de Titanic, também de Cameron, que precisou de sete meses para chegar aos US$ 1,4 bilhoes.
Não se pode tratar de Avatar apenas como um filme. Seria simplista demais ignorar a produção dentro de um contexto que transcende o próprio filme e o futuro do cinema como negócio e entretenimento.
Avatar se encaixa naquilo que Justin Wyatt chama de blockbuster high-concept. Simplificando, é o filmão assumidamente pipoca, de altíssimo orçamento, com violenta e onipresente divulgação, repleto de efeitos especiais possíveis pela mais moderna tecnologia. Tem enredo fácil de ser entendido, ocupa quase todas as salas do circuito exibidor e deixa os executivos do estúdio que o produziu se embriagando de alegria ao consultar os resultados da bilheteria a cada segunda-feira.
Os números não são muito claros, pois as fontes divergem, mas comenta-se que o filme custou cerca de US$ 200 milhões só para ser produzido. A FOX se empolgou e aplicou mais uns 200 e cacetada no lançamento e promoção. Estima-se que os custos totais cheguem a US$ 500 milhões.
É da lógica do high-concept apostar quase todas as fichas em poucos títulos, fazendo com que o filme massacre nos primeiros dias de bilheteria e por saturação (de tanto se falar nele o todo mundo quer ver e o esquema vira uma boal de neve) a dinheirama investida acaba retornando. É a estratégia das majors para cobrir os prejuízos com a miaoria dos filmes que são lançados, em tempos de troca livre de arquivos de vídeo pela Internet.
Visto sobre esta ótica, Avatar terá sim, lugar especial na história de uma indústria que desde seus primeiros momentos, ao final do secúlo XIX, se pautou pela lógica comercial. É triste, mas sempre foi e será assim. O que não impediu esta mesma estrutura de produzir obras de arte de Ford, Huston, Hawks, Hitchcock, Kubrick e Clint Eastwood.
Como o que conta é o dinheiro, Avatar é um filme bem sucedido e pronto. Você dira que os filmes não se julgam assim, tão friamente. Concordo, mas para uma indústria que a cada ano vê seu público minguar nas salas de cinema e perde receita com o download de filmes, um filme evento como Avatar é uma virada de mesa. Pergunte a qualquer exibidor o que ele pensa de Avatar. Em 1997, os circuito exibidor da Rússia ia muito mal das pernas. Foi Titanic quem salvou muitas salas de fecharem. Cameron é amado e idolatrado até hoje por lá.
Quando escrevi acima que Avatar é um fenômeno cultural, refiro-me aquela capacidade cada vez mais rara que alguns produtos da indústria tem ao canalizar a atenção de uma parcela muito mais amplo de seu público-alvo.
A tia a pipoca ouviu falar de um tal de Avatar. A tia da pipoca nao entra num cinema há mais de vinte anos. Deve ter visto no máximo uns 2 filmes em cinemas em sua vida. A tia da pipoca quer ver Avatar.
Entendeu agora?
Se a tia da pipoca quer pagar 20 reais para ver Avatar, já não estamos mais falando de um filme. Estamos no reino da experiência, do fetiche do filme em uma sala escura. Uma experiência que as novas gerações parecem ignorar, dada a facilidade em se relacionar com o audiovisual por outros caminhos e tecnologias.
Consegui assistir o filme na terceira tentativa, em dezembro, uma semana após a estréia. Nas duas primeiras todas as sessões estavam lotadas. Fila para entrare correria para pagar um lugar na sétima ou oitava fileira, para aproveitar os efeitos do 3D.
A última vez em que vi um cinema totalmente lotado, com TODAS as poltronas ocupadas, foi em 1997, com Titanic, nas salas do UCI Estação.
Avatar trouxe de volta aos cinemas gente que nem lembrava mais que existiam cinemas e filmes. Adultos que puderam recuperar um pouco daquelos momentos de infância em que não existiam sequer videocassete. Idosos que não perdiam as sessões de domingo na nossa Cinelândia, no Luz, Avenida, Palácio, Ópera e Arlequim. Crianças e adolescentes que sequer tinham pisado num cinema e que só viram filmes pela tela de seus computadores.
Por mobilizar tanta gente em torno de um filme, Avatar tem, sim, sua importância especial na história do cinema.
Cameron, uma espécie de Midas do entretenimento (gasta muito e também fatura muito) sabe que está cada vez mais difícil ou quase impossível tirar as pessoas do sofá da sala ou do computador no quarto. Por isso esperou quatro anos para desenvolver uma tecnologia que obrigasse o público a ver seu filme em uma sala de cinema.
(Se alguém fez download do filme, esqueça. É como se não tivesse visto)
O universo de Avata em terceira dimensão é um destes espetáculos tão impactantes quanto as primeiras projeções de filmes que os Lumière promoveram para uma platéia incrédula em 1895.
A experiência que o filme proporciona é extasiante. Os animais, plantas, montanhas suspensas, rituais e toda a cultura na´vi do planeta são apresentados como se estivessem ao alcance de um braço do espectador. Raras vezes se viu no cinema um visual tão perturbador em beleza, força e energia.
As obsessões de Cameron tambpem estão presentes no filme: mulheres fortes e decididas, a interação homem-tecnologia. Há uma espécie de celebração das culturas primitivas e de sua relação harmoniosa com a natureza. É um contraponto aos tempos de hoje, com o homem sofrendo na carne os efeitos de sua tentativa de controlar e depredar os recursos naturais. Há uma discurso ambiental que opõe os na´vi aos soldados e exploradores americanos. E o público acaba torcendo contra os soldados americanos, ironia das ironias para uma país que está enroscado em duas guerras sem solução no Afeganistão e Iraque.
Este é o Avatar fenômeno cultural.
O Avatar filme tem problemas graves. Dirão alguns que toda a experiência proporcionada pelo 3D disfarça estes problemas. Talvez tenham razão. O roteiro é frouxo, raso, evidente. Constrói a dualidade bem x mal sem nuances ou ousadias. Força o espectador a acreditar que o avatar do soldado Jake Scully é aceito sem resistência pelos na´vi. Cameron dá a impressão de confiar demais em seus belíssimos delírios que na costura de seu drama. Os soldados mercenários são a encarnação clichê da maldade. Os discursos motivacionais da resistência ao invasor são óbvios. A longa cena da batalha final é cansativa com resultado previsível.
Mas Cameron, que tem uma boa mão para segurar uma estória (méritos sejam reconhecidos) passa por cima de tudo isso e consegue dosar suspense com ação e mensagem ecológica.
Certeza absoluta que levará o Oscar de Filme este ano.