quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Preciosa se enrosca em esquemas simplificadores e perde o melhor de sua protagonista
Em PRECIOSA, há um momento do filme que a protagonista homônima e sua mãe assistem pela televisão a uma cena de Duas Mulheres, uma requentada tardia no estilo neo-realista (ou neorrealista, segundo a reforma ortográfica) que Vittorio De Sica dirigiu em 1960, quando o cinema italiano (e europeu) já era sinônimo de Fellini e Antonioni.
Preciosa se imagina dentro do filme, falando em italiano e recusando a comida que sua mãe tenta lhe empurrar. Embora Duas Mulheres não se encaixe muito bem na consagrada escola neorrealista (vai ser duro acostumar sem o hífen...) a intenção do diretor Lee Daniels é clara: ele quer beber na fonte do filme-denúncia, quer evitar toda glamourização para sua história e seguir sua personagem e seu drama pessoal e social.
O interessante deste trecho é que ele sintetiza tanto o reducionismo do filme quanto evidencia seu potencial desperdiçado. Enquanto denúncia, PRECIOSA é um desfile de desgraças tão intenso quanto cansativo, jogando com as convenções do melodrama a todo momento (mas sem o encanto de filmes como Ladrões de Bicicleta, por exemplo.
O que poderia conferir ao filme uma linha mais pessoal, no caso a imaginação da sua protagonista como válvula de escape para sua triste condição, perde a força diante do compromisso em mnter uma estrutura maniqueísta, sem espaços para nuances na representação de seus tipos humanos.
Preciosa é uma menina de 16 anos, negra, obesa, feia, mãe de uma filha mongolóide do próprio pai e grávida do segundo filho, também do pai. É odiada e humilhada pela mãe, vive em um apartamento miserável, sujo e escuro. Ah, esqueci, também é semi-alfabetizada.
Esta lista de flagelos por si evidencia um material extremamente delicado para qualquer criação. Não precisa se esforçar muito para que essa situação toda caia no comum, no trivial, com as oposições bem demarcadas entre o bem e o mal e os clichês de superação, tão caros ao cinema americano, bem posicionados.
Mas apesar de tudo conspirar contra seu destino, Preciosa encontra em sua grande capacidade imaginativa um refúgio seguro. Ela viaja dentro de sua mente onde é branca, magra, cantora de sucesso, em delírios que brincam com o universo pop, o pequeno universo cultural da protagonista.
São estes os momentos mais intensos e honestos do filme. É neles que está a força desta estória. E também naquela assombrosa capacidade humana de se reagir com alguma dignidade perante os infortúnios da vida, de erguer a cabeça, como diz Preciosa, mesmo que seja para ver um piano caindo.
Além desta força, que é a tônica de um modelo de cinema baseado na redenção e na segunda chance, como já bem observou o crítico Luiz Carlos Merten, Preciosa tem instantes em que consegue contrapor, com algum equilíbrio, a aparência exterior distante dos padrões considerados como belos na sociedade a uma sensibilidade interior profunda, terna e inquebrável.
Mas a estes caminhos, que dariam ao filme uma certa originalidade, Daniels prefere fazer sua protagonista comer o pão que o diabo amassou, criando representações que são a síntese do bem e do mal: a mãe repugnante, que maltrata a filha e sente ciúmes dela, a professora lésbica que alfabetiza Preciosa, a assistente social (uma Mariah Carrey irreconhecível) que se revolta com esta exploração, o enfermeiro (Lenny Kravitz) carinhoso que provê o afeto que falta em casa.
Tudo acaba sendo construído tão em cima de extremos, que a própria Preciosa se perde neste caldeirão de maldades x bondades, optando pelo caminho mais óbvio, sem que suas escolhas mereçam algum aprofundamento ou que o bem e o mal sejam minimamente relativizados.
É um filme com momentos encantadores, sobretudo quando se permite entrar na psicologia de sua protagonista e revelar que por baixo de tanto lixo respira uma flor rara. Mas infelizmente o resultado é um drama sob medida em tempos de Obama presidente, onde a indústria sente a necessidade de discutir mais seriamente questões raciais e sociais.
pretensiosa do diretor como revela um potencial
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