terça-feira, 27 de abril de 2010

Cinedocumenta exibe dois documentários dia 27, no SESC da Esquina

Depois do sucesso da Mostra Jorodowsky – CineSesc, o Sesc da Esquina realiza o Projeto Cinedocumenta. Mensalmente haverá exibições gratuitas de curtas com bate papo com diretores, workshop e oficina. Na primeira etapa do projeto o tema será documentário e animação .
A animação marca presença no documentarismo contemporâneo em uma combinação que alia a estética ao olhar sobre o mundo. Para o olhar acostumado ao documentarismo tradicional, especialmente ligado às noções de improviso e autenticidade das imagens in loco , ou seja, feitas no lugar onde os acontecimentos se desenrolam, a presença de um elemento de criação como o traço do desenho animado pode parecer um tanto estranha.
Mas o estudo da história do documentarismo revela, no entanto, que a parceria retoma um aspecto muito comum à gênese deste tipo de filme: a contação em lugar da mostração, ou seja, a capacidade de transmitir uma história ou uma idéia lançando mão de técnicas variadas para levar ao público o conhecimento.
Mais do que funcionar como prova ou evidência, portanto, a imagem animada no documentário serve à imaginação de quem recebe a narrativa, que vê o mundo não pelo olhos aparentemente objetivos da câmera, mas pelo olho subjetivo do próprio objeto do documentário.
"Dossiê Rê Bordosa" (César Cabral, 2008, 16 min.) e "O Divino, de Repente" (Fábio Yamaji, 2009, 6 min.) são exemplos da aproximação entre o mundo da animação e o documentário. No filme de Fábio Yamaji, a história de Ubiraci Crispim de Freitas, repentista criado na Paraíba, é contada através de uma criativa série de animações. Estas animações dão vida aos repentes do artista, tomando forma como pequenas histórias engraçadas e fantásticas contadas pelo próprio Ubiraci. O filme foi premiado em 2009 como melhor animação pelo voto popular no festival internacional Anima Mundi.
Já "Dossiê Rê Bordosa" reconstitui a morte da personagem de histórias em quadrinhos Rê Bordosa. Ao retomar a vida e a morte de uma personagem ficcional, o documentário tangencia a linha que divide as formas de representação do real e a própria ficção. Utilizando o traço inspirado nos quadrinhos de Angeli, criador da personagem, o diretor Cesar Cabral recorreu a um tipo de referência típica do documentário, a reconstituição de aspectos formais de um tema.
Com depoimentos de vários envolvidos na vida de Rê Bordosa o documentário tornou-se um grande sucesso e recebeu muitos prêmios, tanto em festivais de documentário, como o É Tudo Verdade, como em festivais de animação, como o Anima Mundi.

CineDocumenta – Teatro do Sesc da Esquina

27 de abril – 20h - GRATUITO

" Dossiê Rê Bordosa " (César Cabral, 2008, 16 min.)

" O Divino, de Repente " (Fábio Yamaji, 2009, 6 min.)

Informações - (41) 3304-2227

domingo, 11 de abril de 2010

Chico Xavier pelas mãos do ateu e "cafajeste" Daniel Filho





Daniel Filho é o cara. Tomem os últimos filmes nacionais que superaram a barreira de um milhão de espectadores nos cinemas e o nome dele estará lá em pelo menos 70% dos títulos, seja como produtor ou diretor. (o crítico Luiz Carlos Merten, do Estadão, fez essa conta mais exata em seu blog).

Como cineasta, Daniel Filho mira o grande público. Domina com elegância e simplicidade dos códigos da TV e do cinema, sem pudor em fundir ambos. Clássico, direto, "eastwoodiano", acredita no potencial de boas estórias. Não se espere dele exercícios de linguagem ou experimentalismos radicais. (confesso que a cada entrevista do diretor, em tom sério, seja falando sobre espiritismo ou outros temas de filmes que produz ou dirige, o que me vem à cabeça é aquele garotão imitando índio de filme americano e clicando Norma Benguel nua na praia, ao lado de Jece Valadão, em Os Cafajestes)

Daí que havia uma grande expectativa em torno deste Chico Xavier na versão de Daniel Filho: o mais conhecido e venerado médium brasileiro na visão de um ateu confesso.

Elenco global, orçamento lá em cima, superprodução de época, locações em várias cidades e uma estória, temos que admitir, extremamente difícil de ser contada, pelas posições apaixonadas que suscita. Daniel optou por um filme para o público não-espírita, aquele não familiarizado com a doutrina, o que talvez explique em parte o excesso de didatismo com que conduziu o filme.

A construção do roteiro parte da encenação das entrevistas de Chico Xavier ao apresentador Saulo Gomes, no programa Pinga Fogo, entrelaçadas com passagens de seu passado em Pedro Leopoldo. Confesso que este recurso, sobretudo com as longas explanações de Chico - reiteradas durante os créditos finais com material de arquivo contendo as verdadeiras entrevistas do médium - soa de certa maneira reduntante e ainda toma um tempo que poderia ser dedicado a dramatizar outros momentos da vida de Chico Xavier.

Tenho a impressão que Daniel Filho - que sugeriu ao roteirista Marcos Bernstein esta estrutura presente-passado - criou este formato para justiificar a sua visão sobre o espiritismo. As entrevistas de Chico a uma emissora de TV abrem espaço para a presença do personagem de Tony Ramos, o diretor do programa, cético, amargo e desesperado pela morte prematura de seu filho.

Esta subtrama ocupa um longo tempo do filme, mas se justifica porque insere o olhar externo, crítico e distanciado, sobre as mensagens que o médium apresenta diante das câmeras. É o profissional da imagem, assim como o diretor do filme, que fala nesse momento. Nega o que vê diante de seus olhos, mas respeita e a partir de um certo ponto admira o mistério daquilo que não compreende.

Esta trama paralela ganha força a partir da terceira parte do filme, justamente aquela mais fraca, em oposição às duas primeiras, que retratam a infância e juventude do medium, suas dificuldades em lidar com fenômemos estranhos e o preconceito enfrentado na conservadora, atrasada e ultracatólica sociedade mineira da primeira metade do século passado.

O diretor consegue humanizar seu personagem, mostrando como Chico tinha pânico de voar e sua vaidade, ao conceder uma entrevista a dois jornalistas de O Cruzeiro e sua relação com a calvície e o uso de perucas. O Chico de Nelson Xavier é assombroso, assim como a interpretação de Angelo Antonio para sua juventude.

Os segredos de Campanella para o ótimo O segredo dos seus olhos






Michel Haneke já tinha o discurso pronto para o seu A Fita Branca, dado como certo na categoria de filme estrangeiro no Oscar deste ano. Ele, mais a crítica, quem assistiu ao filme (maravilhoso, aliás) e os presentes na cerimônia do Teatro Kodak.
Surpresa talvez não seja a palavra adequada para definir a vitória de Juan José Campanella com O Segredo dos Seus Olhos. Foi a segunda indicação do cineasta argentino - a anterior foi com O Filho da Noiva - e o segundo troféu conquistado por aquele país na categoria (o que deixou a imprensa brasileira desnorteada, se perguntando o que o cinema argentino tem que falta ao nosso, como se Oscar , um prêmio da indústria, fosse o único norte para se avaliar toda uma cinematografia).

Como muitos, não pude assistir ao filme de Campanella quando ele foi exibido meses atrás, em curtíssima temporada. Vencedor do Oscar, foi espertamente relançado, com sessões lotadas, filas e um boca a boca que deve prolongar a exibição por mais algumas semanas - na Argentina já se tornou a fita mais assistida na história daquele país.

Em termos essencialmente cinematográficos, A Fita Branca é um filme mais denso, complexo, norteado por sutilezas e aberto a múltiplas leituras, das políticas às psincanalíticas. É "mais filme" que a obra de Campanella.

Mas O Segredo dos Seus Olhos é, em sua essência, uma grande estória, destas tão bem contadas que se tornam irresistíveis e deixam o espectador intrigado e grudado na poltrona até o último segundo. Ótimos roteiros não são novidade para quem acompanha o trabalho de Campanella, que escreveu e dirigiu O Filho da Noiva, O Mesmo Amor, A Mesma Chuva e Clube da Lua, filmes populares em seu país e por aqui. Tramas milimetricamente amarradas, onde cada personagem, diálogo, cenário e objetos são pensados para se articular ao todo e ajudar a sustentar um drama recheado com surpresas, suspense e bom humor.

Todos estes elementos sobram em O Segredo de Seus Olhos, uma fusão de filme policial com drama amoroso. A leveza e a segurança com que Campanella transita entre os dois registros é o grande apelo do filme. Em sua velhice, o funcionário público aposentado Esposito (o ótimo e carismático Ricardo Darin) é atormentado pelas lembranças de assassinato cujo autor nunca foi preso.

O filme pula do presente para o passado e nestes pulos acompanha-se uma relação mal resolvida entre Espósito e sua chefe, a juíza Irene. Tanto o romance quanto o crime vão ocupar os dois durante décadas. Reviravoltas, revelações surpreendentes, uma crítica aos crimes da ditadura peronista e à ineficàcia do sistema judicial argentino pontuam o filme, que até o seu final consegue deixar todas as possibilidades abertas para a sua resolução.

Campanella é sóbrio e simples na abordagem de todo este caldeirão e procura equlibrar os recuos temporais com simplicidade, sempre valorizando os diálogos (em seus filmes os personagens falam bastante) tomando o cuidado de jamais espetacularizar o material que tem em maos.

Há uma brecha no tom adotado, que merece ser citada, pelo seu brihantismo técnico e artístico. É aquele plano sequencia no estadio de futebol, que começa com uma tomada aérea, passeia entre torcedores, corredores e banheiros e termina com o suspeito detido no gramado.

Já entrou para a história do Cinema como um dos grandes momentos sem cortes, ao lado das aberturas de Touch of Evil (Welles), O Jogador (Altman) e o final de Passageiro Profissão Repórter.