segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Lula do fime reforça o mito público e ignora o privado



Reparem na imagem acima. Dona Lindu e sete de seus oito filhos deixam Caetés, no agreste pernambucano, rumo a Santos. Là no cantinho, a ótima Gloria Pires, que faz a mãe de Lula, segura o mais novo no colo. Reparem que o caminhão tem uma bandeira do Brasil no lugar da placa. É o destino na nação que está no veículo, sugerem seus realizadores.
Este é um pequeno detalhe que ilustra o desenvolvimento do filme Lula, o Filho do Brasil. Roteiro, cenários, direção de arte, diálogos e a direção optam por alimentar o mito Lula ao invés de explorar o homem. Eis aí, em minha visão, o principal entrave para a produção dos Barreto.
Conheço gente que não assistiria ao filme nem de graça, com argumentos que vão de um ódio profundo ao presidente passando por acusações de corrupção nos dois governos do PT. Assim fosse, ninguém teria assistido A Queda, sobre os bastidores dos últimos momentos de Hitler em seu bunker. Ter uma posição crític em relação as idéias e atitudes do presidente (muitas vezes questionáveis) e sua administração são um direito dentro de uma sociedade democrática. Evitar uma cinebiografia de uma pessoa que tem sim, sua importância para a história recente do país, é um preconceito que não ajuda muito. Tempos atrás vi um filme horroroso sobre John McCain, candidato derrotado por Obama nas eleições americanas. É fiel à sua biografia de soldado abatido em combate e prisioneiro dos vietnamitas por cinco anos. É parcial pra burro,mostrando um MacCain herói, resistente e patriota, mas é só um filme. Personagens da história sempre foram uma fonte generosa para o cinema.
O Filme Lula é só um filme, e pronto.
São muito ingênuos os que associam o filme à campanha eleitoral de 2010, imaginando que ele se encaixe como uma peça para alavancar a candidatura Dilma. Só quem não conhece o circuto exibidor afirma isso. O ingresso médio aos finais de semana custa em Curitiba cercad de 12 a 15 reais. É para a classe média pra cima. Há muitos anos que a população das classes C para baixo não chega nem perto de um cinema. Se o eleitorado de Lula fosse ser influenciado pelo filme, seria preciso criar uma operação para exibir o filme gratuitamente, nas cantos mais pobres e distantes do Brasil.
até onde acompanhei, o filme fez 650 mil espectadores. A sessão a que assisti tinha oito pessoas. Fica difícil chegar aos dez milhoes que a produção esperava. A classe média, que paga ingresso em cinema de shopping, parece não ter se entusiasmado com o filme.
Logo em seu início, o filme traz a logomarcade vários patrocinadores e informa que nenhum tostão de dinheiro público foi aplicado na produção. Diz a Veja que todos os patrocinadores têm contratos generosos com o Governo Federal.
Não vou ficar dos lado dos que apedrejam. "Nâo vi e nao gostei". Há momentos muito bem construídos no filme. A primeira vez em que Lula entra em um cinema para ver um filme de Mazzaropi, usando uma gravata cedida por um amigo. A cena em que a mãe se emociona ao ver o filho recebendo o diploma de torneiro mecânico. A família reunida no pequeno casebre vendo Jornal Nacional. Lula e um amigo traçando planos para se aproximar de duas moças em um baile. É, inegavelmente, uma produção caprichada, com momentos de um roteiro bem articulado e uma direção segura, atenta ao desenrolar dos pequenos detalhes privados de Lula.
Mas pena que estes pequenos momentos sejam tão poucos. Para alguém com o mínimo interesse na figura de Lula, não é novidade saber da viagem em pau de arara para Santos, a morte da primeira esposa no parto do filho, a dedicação da mãe à sua prole. A dura biografia do presidente em si já é um grande drama, com sua exemplar trajetória de superação. Ela está toda ali no filme, mas a serviço da construção de uma imagem impecável de um ser humano. O Lula de Fabio Barreto (que ainda está inconsciente, mas fora da UTI) só existe dentro do filme. É bondoso demais, seguro demais, correto demais. Não se trata com mais profundidade da transformação do Lula metalúrgico em líder sindical. Do nada, ele fala com segurança para os trabalhadores, sem esboçar o mínimo de indecisão. O alcool aparece no filme apenas nos momentos em que é socialmente aceito, como festas ou comemorações. Lula no máximo fuma muito. Não se vê ele reagindo com raiva ou palavrões à morte de sua esposa e filho (sugere-se que teria sido descaso do médico em hospital público).
Outro ponto é o ator Rui Ricardo. Há momentos em que ele tenta imitar a voz rouca de Lula e o resultado fica um tanto quanto caricato. Melhor seria compor seu tipo baseado na figura do presidente. Glória Pires consegue desaparecer no papel de Dona Lindu, dando consistência ao filme.
Nâo deve ter sido fácil a tarefa dos roteiristas e do diretor Barreto. Todas as cinebiografias sempre são problematicas ao assumiram escolhas mais conservadoras de trechos das vidas de seus personagens. Neste sentido, pintam seus retratados como modelos, elegendo cenas exemplares, ignorando a complexidade humana que envolve insegurança, medo, paralisia, tristeza e a própria superação de tudo isso.
O filme repito, tem seus momentos emocionantes, mas fornece uma imagem unidimensional de um homem cuja trajetória privada teria mais pontos de interesse dramático que as escolhas didáticas direcionadas para a construção de um passado público.

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