quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A Fita Branca , a violência e a maldade do ser humano na visão de Haneke





O austríaco Michael Haneke vem construindo sua filmografia em cima da compreensão da violência no mundo contemporâneo. Mas seus filmes, densos e autorais, não trazem respostas prontas e fechadas. Ao contrário, se alimentam de perguntas que representam tentativas, buscas, aproximações sempre honestas daquilo que, no fundo, é doloroso de entender e de admitir, o que torna seus filmes tão perturbadores.

Em A Professora de Piano, a violência é exposta ao nível das relações humanas e dos sentimentos reprimidos, entre a mãe, a professora e entre esta e seu jovem aluno.
Funny Games, que no Brasil foi estupidamente batizado de Violência Gratuita - uma violência contra a inteligência do espectador! - mostra dois jovens bonitos e bem de vida que sentem prazer em torturar um casal em férias no cenário paradisíaco dos alpes austríacos. A versão americana, com Tim Roth, Michael Pitt e Naomi Watts, dirigida pelo próprio Haneke, tenta imitar o original plano a plano (mais ou menos como Gus Van Sant fez com a refilmagem de Psicose). Não acrescenta muito, a não ser atualizar o original com rostos mais conhecidos do público. Caché continua nesta linha, acrescentando um componente de ressentimento e preconceito racial ao drama do bem sucedido apresentador de TV que tem sua vida virada de cabeça para baixo quando recebe vídeos mostrando sua casa. Haneke aproveita aí para brincar com o conceito de realidade, ao estabelecer uma relação dúbia com a imagem, alternando o registro entre película e vídeo.

Fiz essa baita progressão para chegar ao seu mais recente filme, A FITA BRANCA. As raízes da violência humana, mais ainda, da maldade humana, são os temas do filme. Em um tranquilo vilarejo no interior da Alemanha um pouco antes da Primeira Guerra, a paz do povoado é perturbada por uma série de incidentes: um atentado contra o médico, a morte da esposa de um camponês, o espancamento do filho do Barão e a tortura de um menino deficiente mental.

Os habitantes do vilarejo vivem uma rotina severa, pautada pelo trabalho duro nas colheitas e por austeros princípios religiosos. Filhos são disciplinados pelo chicote. As relações familiares são puramente formais, sem afetos legítimos. Há uma ética pública, aquela da missa dos domingos e dos sermões, e uma privada. Os códigos das duas, sempre conflitantes, são os eixos sobre os quais o filme se equilibra.

Haneke aborda em A FITA BRANCA a violência como resultado de uma educação rigorosa, que sufoca qualquer instinto humano mais primitivo. O que o filme procura explorar, sem nunca cair no sociologismo de ocasião, é que os seres humanos, em qualquer época, respondem às pressões do meio em que vivem com brutalidade, não importa quanto tenham sido condicionados a se portar com sobriedade. Pode-se reprimir o monstro da maldade, diz Haneke, mas em um determinado momento ele voltará com toda sua fúria.

Esta idéia fica bem clara no tratamento que o diretor dá as crianças. A família do pastor da aldeia cultiva o hábito de amarrar fitas brancas nos braços dos filhos, como forma de lembrá-los de sua pureza (dái o título do filme). A questão é que esta pureza parte de uma limitada visão de mundo, que condena a sexualidade e sufoca todo e qualquer instinto prmitivo e vital. Na base, o filme trata da violência como remédio civilizador, mas cujos efeitos colaterais são mais violência, numa espiral sem fim.


Haneke é um cineasta dado à sutileza. Recusa qualquer mecanismo de espetacularização, tanto na tessitura de seus roteiros quanto na composição visual. Os 145 minutos de A FITA BRANCA privilegiam a palavra, meio esquecida nestes tempos de pirotecnias e terceira dimensão. A fala é um recurso que já não dá conta das tensões internas dos personagens e quando exercida, não consegue estabelecer uma comunicação plena. Um exemplo é o trecho em que a baronesa diz ao barão que deseja se separar dele. Outro é o momento em que o inocente filho do pastor, com uma voz terna e suave, pede ao pai para ficar um passarinho doente.

Por baixo das convenções sociais públicas, A FITA BRANCA revela um universo de tensões alimentadas por ressentimentos de toda espécie: sociais, afetivos, políticos. A mise-en-scene de Haneke acompanha este mundo com composições igualmente austeras:a fotografia em preto e branco (belíssima, aliás) e os enquadramentos valorizam os claros e escuros, os efeitos de contraluz, as zonas do plano em que pouco se percebe visualmente mas muito se intui. Sua câmera passeia pelos cenários seguindo os personagens, revelando lentamente o que eles enxergam, ou melhor, o que eles pensam enxergar.

Haneke, mais uma vez, não apresenta respostas para os crimes da aldeia. Prefere ampliar as perguntas. As crianças do vilarejo, entre 7 e 15 anos às vésperas da Guerra, serão os adultos na década de 30, quando o nazismo já tiver florescido na Alemanha. Esta associação, por si, explica muita coisa, não só do contexto social e familiar em que as futuras gerações alemãs foram gestadas, mas fala ainda ao mundo contemporâneo. Nazismo, fascismo, qualquer forma de totalitarismo e o próprio terrorismo fundamentalista são difíceis de combater pois, sugere Haneke, suas motivações estão encravadas no mais profundo da psiqué humana.

Eis porque A FITA BRANCA conquistou a Palma de Ouro em Cannes e é favorito ao Oscar de Filme Estrangeiro, além de ser aplaudida com entusiasmo por onde passa. um filme obrigatório.

Em cartaz no Unibando Arteplex. Corram, antes que seja retirado de cartaz nesta quinta!

2 comentários:

Otávio A. Colino disse...

confundiu os nomes, Tim roth ao invés de Tim Burton

FLFP disse...

Tem razão!!! Falha nossa..preço desculpa e já fiz a alteração! OBG pela visista e pelo comentário
abs
F