quinta-feira, 5 de junho de 2008

Paradise Now

(publicado originalmente no Jornal do Estado)


“A vida é mais importante que o filme”, declarou o diretor palestino radicado na Holanda, Hany Abu-Assad, ao se conformar com a partida de seis membros europeus da sua equipe, durante as filmagens de Paradise Now, em Nablus, na Palestina, em 2004. Assustados com a explosão de um carro por um míssil do Exército Israelense próximo ao local onde rodavam uma cena, os técnicos se mandaram e deixaram o diretor da mão. Como se não bastasse, Assad teve que pedir a Yasser Arafat para que intercedesse pela libertação de um produtor do filme, seqüestrado por um grupo armado. Para piorar, teve que conviver com ameaças constantes de palestinos armados com metralhadoras e de soldados israelenses. Cada lado preocupado com a sua versão da história.

É de se admirar que o diretor não tenha desistido da empreitada, uma produção multiétnica, com gente da Holanda, Alemanha, França, Bélgica, Inglaterra, Palestina e até de Israel. As dificuldades nas filmagens e a diversidade cultural da equipe pareciam a receita perfeita para tudo dar errado. Mas não deu. Paradise Now é um olhar original e isento (qualidade rara de se encontrar em filmes que lidam com assuntos tão espinhosos) sobre o grande conflito do mundo contemporâneo, entre árabes e israelenses.

O filme de 90 minutos acompanha o que seriam as últimas 48 horas de vida de dois inseparáveis amigos de infância, Said (Kais Neshif) e Khaled (Ali Suliman). Os dois trabalham na mesma oficina mecânica e compartilham da mesma vida dura e sem perspectivas em Nablus, até que são recrutados para um grande atentado suicida em Tel Aviv. O convite para tornarem homens-bomba é aceito com naturalidade e certa resignação, o que pode induzir o espectador a se revoltar e imaginar que todos os 3 milhões de palestinos estão prontos a mandar os israelenses pelos ares, a qualquer momento. É apenas uma falsa impressão, que o ótimo roteiro do filme vai, se não argumentar a favor, pelo menos contextualizar, recorrendo a causas sociais e políticas.

O problema é que o atentado não sai como o planejado. Os amigos se separam. Aí e que entra Suha (Lubna Azabal). Educada na Europa, ela volta a Nablos e tem um certo interesso amoroso por Said. Culta, divertida e moderna, Suha representa o contraponto feminino à sede de vingança semeada por líderes locais, que se aproveitam da pobreza da população para perpetuar uma guerra insana e sem fim. Ela argumenta, apela à razão, sugere outras formas de resistência que não os atentados. É da mulher, sempre retratada como oprimida no mundo islâmico, que vem o discurso pela paz, como resposta às bombas e metralhadoras dos homens. Talvez por essa coragem é que elas não tenham voz.

As implicações ideológicas, que poderiam tornar o filme um tedioso tratado pró-Palestina e anti-Israel, foram distribuídos com inteligência nos diálogos, que soam naturais. Em uma seqüência, Suha pergunta a Said que gênero de filme seria sua vida. “Aventura, ficção científica, documentário?”. Ele responde lembrando que não há cinemas em Nablos, e que se sua vida fosse um filme, seria do gênero maçante.

Sem apelar para o panfletarismo, o filme mostra terroristas de carne e osso, que agem como pessoas comuns. Uma cena chocante é dos preparativos dos jovens para o atentado. Bombas são fixadas em seu corpo. Eles oram, fazem uma farta refeição e ainda escolhem o modelo de cartaz no qual serão retratados como mártires. O filme dá voz e rosto a uma parte de problemas que o Ocidente só conhece pela imprensa. É importante lembrar que o que a mídia chama de terrorista o filme trata como resistente. Não há semântica sem ideologia.

Inevitável será a comparação de Paradise Now com Munique, de Spielberg. Amir Labaki, citando um crítico americano, resumiu com perfeição este ponto. “Os dois filmes juntos podem dizer mais sobre o ciclo de violência no Oriente Médio do que cada um deles separadamente". Se Paradise Now levar o Oscar de Filme Estrangeiro – já levou o Globo de Ouro e foi alvo de muitos protestos – será o primeiro filme de um país que não existe. Pois Said e Khaled moram no que chamam de « territórios ocupados ».


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