sábado, 13 de março de 2010

O Napoleão que Kubrick não filmou

O bilhete, datilografado com rasuras num papel não timbrado, listava uma dezena de argumentos. O terceiro deles dizia: "Espero realizar o melhor filme jamais feito." Era 20 de outubro de 1971 e pela última vez Stanley Kubrick (1928-1999) tentava convencer os estúdios MGM a bancar Napoleão, fita de três horas que planejava dirigir sobre o imperador francês. Àquela altura, ele já desconfiava de que era enorme a chance de o longa, de fato, jamais ser feito.

Embora o ambicioso projeto não tenha se concretizado, seus arquivos foram mantidos no espólio do diretor em Hertfordshire, Inglaterra. Por anos, admiradores puderam ler textos sobre o assunto e até uma versão do roteiro, de 1969 - que se acha numa busca no Google por "Napoleon", "Kubrick" e "script". Mas só agora a maior parte dos documentos se tornou pública, com o lançamento, no fim do ano passado, de uma edição limitada de luxo da Taschen, Stanley Kubrick"s Napoleon - The Greatest Movie Never Made.

Composta por uma caixa com dez livros e vendida a US$ 700, a série de mil unidades esgotou-se em um mês. Pela Amazon, é possível encontrar três cópias de segunda mão, com preços entre US$ 2 mil e US$ 5 mil. O volume inclui um fac-símile da última versão do roteiro anotada pelo diretor, cartas para envolvidos na produção, estudos de figurino, fotos de locação e análises de estudiosos.

A opulência do título condiz com o fôlego do projeto. Em dois anos de pesquisa, Kubrick reuniu 15 mil fotos de locações e 17 mil imagens do período de 1769 a 1830. Criou um selo com o símbolo da MGM e a letra N só para usar na correspondência sobre o filme. O roteiro abarcava nada menos que toda a vida do francês, começando e terminando com ele na cama - a primeira vez aos 4 anos, agarrado a um urso de pelúcia, a última aos 51, à beira da morte.

"Kubrick dedicou-se mais a esse projeto que a qualquer outro que tenha chegado a realizar", diz ao Estado, de Londres, Jan Harlan, cunhado de Kubrick e produtor executivo de seus filmes a partir de Barry Lindon - Napoleão seria o primeiro. Uma afirmação e tanto, dada a conhecida obstinação do diretor.

A pesquisa começou em 1967, durante a pós-produção de 2001: Uma Odisseia no Espaço. Kubrick leu aquela que se tornaria sua maior fonte, a biografia lançada em 1963 por Felix Markham, e fez inúmeras anotações nas margens. Já era a base do roteiro. O cineasta relacionava perguntas: "Ele era supersticioso? Tinha senso de humor? Bebia muito? Comia muito? Lia muito? Era bom de conversa?". Para sorte dele, e talvez azar do biógrafo, foi possível levantartais dúvidas em exaustivas conversas ao vivo, cujas transcrições estão no volume da Taschen. Os questionamentos são tão detalhados que fazem o principal biógrafo do imperador parecer, às vezes, despreparado - como quando Kubrick tenta arrancar dele uma conversão de valores para saber quanto Napoleão teria em dinheiro hoje. "Oh, Deus, isso é muito difícil", desabafa Markham.

Leia o texto completo no estadão.

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